domingo, 29 de junho de 2014

Cláusulas ABUSIVAS em contratos de plano de saúde

A relação do tratamento de saúde médico-hospitalar no Brasil passou da esfera do Estado para a iniciativa privada em caráter suplementar com o decorrer das décadas, fortalecendo-se e ganhando nítido caráter consumerista, regido obviamente pelo Código de Defesa do Consumidor.
Assim, foram criadas regras próprias para regulamentar os planos de saúde, com inclusive a criação da ANS, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, com o intuito de proceder à fiscalização das seguradoras de saúde que promovem os contratos.
Ainda que existam inúmeras regras e formas de regulamentação do assunto,  muitas operadoras insistem em inserir em seus contratos cláusulas que tiram o equilíbrio do contrato e implicam ao consumidor uma severa desvantagem, o que, visto da ótica do princípio da boa fé, e das normas do Código de Defesa do Consumidor, bem como as legislações específicas, configura-se como abusivo e é motivo para anulação da cláusula quando procurado o Poder Judiciário para ver efetivado tal direito pelo consumidor lesado.
Importante lembrar que cláusulas que limitam internação, negam reembolso, aplicam carência em doenças como argumento de negação à cobertura estabelecida, bem como negativa de cobertura de determinados tratamentos e procedimentos médicos, são completamente ABUSIVAS e NULAS de pleno direito.
Nesses casos, nítido o direito do consumidor de responsabilizar a seguradora de saúde, impondo a elas a obrigação de reparar o dano causado.
O Ministério Público possui legitimidade, também, para opor ação civil pública pleiteando o reconhecimento de abusividade em cláusulas de contrato de adesão que versem a respeito de planos de saúde quando o dano causado tem pouca expressão econômica enquanto considerado individualmente mas causa suficiente repercussão na sociedade como um todo.
Por fim, conclui-se serem os contratos de saúde de natureza tipicamente consumerista, o que implica em dizer que quaisquer cláusulas limitadoras de cobertura ou tratamento podem ser consideradas abusivas quando vistas pela ótica do Código de Direito do Consumidor, movido pelos previstos critérios de boa fé e lealdade contratual, bem como o respeito devido aos segurados consumidores que buscam uma ampla cobertura de saúde para si e para seus familiares.
-Lei dos planos e seguros de saúde-

                     O que é LOCAÇÃO                    "BUILT TO SUIT"

No dia 20/12/2012 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 12.744/2012, que alterou a Lei 8.245 de 1991 (Lei do Inquilinato). A alteração objetivou cuidar de três assuntos:
  • Tipificar a locação "built to suit";
  • Considerar válida a cláusula de renúncia ao direito de revisão do valor do aluguel pelo tempo que durar o contrato "built to suit";
  • Ampliar o valor da multa contratual nesse tipo de locação, para o caso de resilição do contrato, isto é, a extinção antecipada do negócio por vontade de uma das partes.
A locação "built to suit" consiste num negócio de longa duração, na qual o locador promoverá uma construção que atenderá ao fim empresarial objetivado pelo locatário. Em outras palavras, o locatário, que não tem interesse na aquisição de um imóvel, contrata o locador que construirá o bem, conforme as necessidades do inquilino.
Tem-se, nesse caso, um contrato misto que congrega normas do contrato de locação de imóvel urbano não residencial combinado com o contrato de empreitada.
Antes da publicação da Lei 12.744, tal contrato era tratado como atípico por maioria da doutrina. Todavia, com a recente alteração na Lei do Inquilinato, entendemos que esse contrato misto passa a ser tipificado.

domingo, 15 de junho de 2014

Como funciona a Lei da Fila de Banco

A espera excessiva em filas de bancos é uma situação vivenciada corriqueiramente por muitas pessoas, mas nem todos os que encaram o problema na vida prática entendem como ele é regulamentado no Brasil. O tempo limite de aguardo, por exemplo, não está previsto em apenas uma “Lei da Fila de Banco”. O poder de legislar sobre o assunto é de responsabilidade das esferas estaduais e municipais, e cada localidade o trata de acordo com as próprias peculiaridades.
Não há um tempo exato de espera em filas de atendimento de estabelecimentos bancários, como 15, 20 ou 40 minutos. A precisão temporal varia de um lugar para o outro, com ênfase nas características de determinada cidade ou estado.
É comum que em vésperas ou dias que seguem feriados prolongados, ou ainda em datas de pagamento do funcionalismo público, o tempo de espera seja estendido.

Como se proteger?

Grande parte da população acredita que somente esperar por atendimento por um tempo superior ao previsto na legislação confere o direito a obter uma indenização. Pimenta explica que não é bem assim.
Há casos em que a espera demasiada foge da normalidade, deixando de ser um mero aborrecimento tolerável para se transformar em algo mais sério, anormal. Não há dúvidas de que o tempo desarrazoado constitui um fator importante para justificar uma compensação de cunho moral, mas ele não é essencial. O primordial é saber o malefício que a situação de espera trouxe ao ser humano, na condição de pessoa digna.
Exemplo:
  • Impossibilidade de utilizar sanitários quando solicitado aos funcionários do estabelecimento durante a espera demasiada;
  • Longa espera aguardada em pé, sem direito a disponibilização de água;
  • Perda de um compromisso importante ou necessidade de reagendamento desse;
  • Perda de um dia de trabalho;
  • Questões de saúde prejudicadas.
“Certamente, todos os fatos que o consumidor relatar, envolvendo sua espera demasiada no estabelecimento bancário, devem ser comprovados nos autos de um processo, apresentando sobretudo, o bilhete com a hora de entrada e saída. Comprovar o tempo é importantíssimo, mas é imprescindível comprovar, primeiramente, como a espera excessiva repercutiu em sua vida”.

Sanções

Código de Defesa do Consumidor (CDC) e as leis sobre o tema preveem uma série de sanções administrativas aos bancos que descumprem a legislação. As penalidades podem variar de uma simples advertência à imposição de multas severas, ou até mesmo ao fechamento do estabelecimento. Se o interesse for a indenização pelo dano moral, o consumidor deve judicializar a reclamação, ou seja, recorrer ao Poder Judiciário.

Trabalhador tem direito a desaposentação para obter um benefício melhor

O autor entrou com o processo na Justiça Federal de primeiro grau contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), requerendo o cancelamento da aposentadoria antiga, com o objetivo de usar o tempo trabalhado para conseguir aposentadoria mais vantajosa em nova função. O pedido foi negado em primeira instância. Inconformado, o contribuinte recorreu ao TRF1, alegando que o segurado pode renunciar ao benefício antigo e usar o tempo trabalhado para cômputo de nova aposentadoria por tempo de contribuição.
O relator, desembargador federal Ney Bello, destacou que o direito à desaposentação parte de duas premissas: a aposentadoria é um direito patrimonial, portanto: Tendo o trabalhador preenchido todos os requisitos legais para a obtenção do benefício, a Administração tem a obrigação de concedê-lo. O outro ponto trata do direito em lei de obter a desaposentação. O 2.º, do art. 18, da Lei n.º 8.213/91, dispõe que: O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado". A lei dá garantia judicial ao contribuinte.
O desembargador afirmou que a relação entre segurado e INSS é de reciprocidade; assim, se o beneficiário contribuiu mesmo depois de aposentado, pode reverter essas contribuições em seu favor para receber uma aposentadoria melhor.
O Desembargador ainda ressaltou que é possível recalcular o benefício do aposentado sem a necessidade da devolução do dinheiro já recebido. O relator citou, ainda, jurisprudência do TRF da 4.ª Região, segundo a qual: A admissão da possibilidade da desaposentação não pressupõe a inconstitucionalidade do 2.º do art. 18 da Lei n.º8.213/91. Este dispositivo disciplina outras vedações, não incluída a desaposentação. A constitucionalidade do 2.º do art. 18 da Lei n.º 8.213/91 não impede a renúncia do benefício, tampouco a desaposentação; isto é, a renúncia para efeito de concessão de novo benefício no mesmo RGPS, ou em regime próprio, com utilização do tempo de serviço/contribuição que embasava o benefício originário (TRF4 - EINF 5010614-84.2011.404.7100, 3.ª Seção, Relator para acórdão: João Batista Pinto Silveira, D.E. 30/03/2012).
Por fim, o relator ordenou a implantação do novo benefício a partir da data do ajuizamento da ação, junto com as parcelas em atraso. A Turma acompanhou, à unanimidade, o voto do desembargador.
Assim através da decisão da 1.ª Turma do TRF da 1.ª Região que deu parcial provimento à apelação de um trabalhador contra sentença que negou o pedido de desaposentação, o requerente vai receber o benefício mais vantajoso e as parcelas atrasadas.

SOBRE A DESERDAÇÃO DE UM FILHO!

Será que deserdar um filho vale a pena? Inúmeras pessoas procuram advogados questionando mil maneiras de se deserdar um filho. Geralmente aquele herdeiro desidioso, o famoso ‘criador de problemas’, que não quer nem estudar nem trabalhar e passa a vida toda aguardando o dia em que receberá a tão sonhada herança. Entretanto, equivoca-se quem pensa que basta estar em desacordo com a postura de vida do filho para vê-lo deserdado de sua herança.
Determina o novo Código Civil algumas hipóteses em que o filho pode ser deserdado, sendo elas: 1)praticar ou tentar assassinar o detentor da herança, cônjuge, ou companheiro (a), ascendente ou descendente; 2)praticar denunciação caluniosa contra o falecido; caluniar, difamar ou injuriar o morto ou seu cônjuge ou companheiro (a); 3)tentar de forma violenta ou mediante fraude, influenciar no testamento do morto; 4)deixar em total desamparo a pessoa que morreu se, antes de morrer, era a pessoa alienada mental ou sofria de enfermidade grave; 5)manter relações ilícitas com o padrasto ou com a madrastra; 6)injuriar o morto de forma tão grave que o perdão é impossível; e 7)lesionar físicamente o detentor da herança.
Como percebe-se aqui, tratamos de um assunto complexo, eis que envolve sentimentos que muitas vezes, quando feridos, não mais se curam, sem contar que o instituto da deserdação necessita de um exame comprobatório muito mais concreto que a pura e simples vontade de deserdar.
Há que se verificar se o autor da herança deixou provas concretas de qualquer uma das hipóteses verificadas no parágrafo anterior realmente ocorreu. Sem contar que ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador, direito este que se extingue dentro de quatro anos, a contar da data da abertura do testamento. Insta esclarecer que o malfadado instituto concretiza-se através do testamento, geralmente público, desde que observadas todas as suas formalidades.
A situação é tão complexa que muitas vezes o autor da herança quer resolver a questão testando em desfavor daquele que pretende deserdar e acaba causando uma briga familiar que se estenderá anos a fio após sua morte.
Desconsiderando as peculiaridades de cada caso e falando aqui de maneira genérica, não custa oferecer àqueles que sofrem com problemas familiares dessa natureza, outra alternativa mais amena que pune mas ao mesmo tempo não desampara o herdeiro supostamente ‘problemático’: "toda pessoa pode dispor de 50% de seu patrimônio como bem entender, para quem quiser, até para uma instituição de caridade."
A outra metade se destina obrigatoriamente aos seus herdeiros necessários, que herdarão menos caso o autor da herança faça uso da prerrogativa de doar sua metade disponível.
p/Janaína Mathias

terça-feira, 10 de junho de 2014

MULHER  TERÁ  QUE  PAGAR  POR BARRACÃO  CONSTRUÍDO  POR  EX-COMPANHEIRO

Uma mulher deve indenizar seu ex-companheiro em cerca de R$ 9 mil pela construção de um barracão. A decisão é do juiz da 5ª Vara Cível de Belo Horizonte, Jorge Paulo dos Santos.

De acordo com A. G. H.(o companheiro), os dois mantinham um relacionamento amoroso e decidiram morar juntos, então ele resolveu construir um barracão nos fundos do lote da companheira.
Ainda segundo o companheiro, quando a construção ficou pronta, o casal morou no local por cerca de um mês, até que, por desavenças, a mulher pediu que ele deixasse o imóvel, sem restituí-lo pelos gastos com a obra. O homem então deu entrada à ação de indenização.
De acordo com a mulher, "a obra já tinha sido realizada havia três anos, e o relacionamento entre os dois não tinha durado mais do que um ano. Afirmou também que nunca planejou morar com ele, e que o barracão foi construído com seus próprios recursos".
O autor apresentou todos os recibos e notas fiscais das obras, que estavam endereçadas à ré, como provas de que a construção havia sido paga por ele, enquanto a mulher não apresentou nenhum documento que provasse a autoria da obra.
O magistrado então julgou a favor do companheiro, condenando a sua ex-companheira a pagar-lhe o valor de R$ 9.318,05, correspondente aos custos com materiais e mão de obra.
Esta decisão está sujeita a recurso.

RESPONSABILIDADE  POR  DANO OCORRIDO  EM VEÍCULO  DENTRO DE  ESTACIONAMENTO 

Estabelece a Súmula nº. 130 do Superior Tribunal de Justiça que: "a empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículos ocorridos em seu estabelecimento".

A leitura da sumula deve ser feita em conjunto com o ART. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que trouxe a responsabilidade objetiva nas relações de consumo, portanto, o estabelecimento que disponha do estacionamento como forma de desenvolver sua atividade tem o dever de guarda e vigilância do bem que lhe foi confiado.
Assim, a responsabilidade pelo seu veículo em estabelecimentos comerciais é do dono do estacionamento, mesmo quando não existir qualquer tipo de seguro contra roubo ou furto por parte do local.
Caso isso ocorra com você, adote as seguintes medidas:
1) Encontre testemunhas que podem ser do próprio local ou alguém que, porventura, esteja lhe acompanhando nesse dia (sem ser parente);
2) Guarde cupons, notas fiscais, bilhete de estacionamento, pois servirão de prova que você de fato esteve no local;
3) Se por exemplo, o vidro do carro foi quebrado, tire fotos do veículo no próprio estacionamento e chame a perícia para ir até lá. Não saia do estacionamento com o seu carro sem que fique tudo muito bem registrado;
4) Faça um boletim de ocorrência.
Saiba que quando isto acontece você tem direito de ser indenizado pelo proprietário do estabelecimento. Se não for possível resolver amigavelmente, você pode acionar o Procon ou ajuizar uma ação de indenização para ser reparado o dano ou furto do seu veículo, ocorrido dentro de um estacionamento.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

APOSENTADO NÃO TEM DIREITO A REVISÃO DE ÍNDICE DE BENEFÍCIO

O STF (Supremo Tribunal Federal) reafirmou o entendimento de que o segurado não pode pedir na Justiça a troca do índice de reajuste de benefício. A decisão refere-se ao período de 1997 a 2003 e gera jurisprudência.
A segurada Jaciara Correio Cervino, do Recife (Pernambuco), que recebia aposentadoria por tempo de contribuição desde 1997, acionou o Judiciário para que o valor do benefício recebido até 2003 fosse corrigido pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna).
De acordo com a ação, a segurada foi afetada por cinco reajustes determinados por medidas provisórias. A de 1999 previa que os benefícios fossem corrigidos em 4,61%, enquanto o IGP-DI ficou em 7,9%. O reajuste em 2000 ficou em 5,81%, enquanto o índice foi de 14,19%. No ano seguinte, a medida provisória do governo determinou reajuste de 7,66%, enquanto o acumulado do ano do índice registrou 10,42%.
Em 2002, o IGP-DI ficou em 12,24%, e a medida definiu 9,2%. Já no ano seguinte, o determinado foi 19,71% e o IGP-DI teve 28,44%.
O acumulado do IGP-DI de 1997 a 2003 foi de 116,42%. Segundo a ação, a correção de valores geraria o valor de R$ 32.254,23 para a aposentada.
De acordo com o advogado previdenciário Patrick Villar, do escritório Villar Advocacia, a decisão afeta todos os aposentados que aguardam decisão na Justiça com o mesmo pedido de revisão. “Vale para todos os processos que pedirem a mudança de qualquer índice para atualização de valores. Qualquer pessoa que ingresse nessa situação vai ter seu pedido indeferido.”
Desde 2004, o indicador utilizado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). “Está previsto na lei de benefícios da Previdência Social de 1991 (número 8.213). Somente pagamentos com valores equivalentes ao salário-mínimo (hoje em R$ 724) são corrigidos de forma diferente pela mudança desse salário (INPC mais o PIB de dois anos atrás)”.
Para ele, a decisão do STF foi sensata. “Todo reajuste seria bem-vindo para o segurado, mas, juridicamente, a decisão é correta, já que foi seguido o que estava na lei.”
O diretor do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) Emerson Lemes também acredita que não há mais base legal para discutir o assunto, porém, frisa que a correção pelo INPC ainda não é a ideal. “Esse índice mede o padrão de vida da sociedade, que não é o mesmo dos aposentados. Eles têm um gasto maior com medicamentos e suplementos alimentares, necessários para sua dieta, e isso não é medido no INPC. Eu defendo a criação de um índice específico para esse reajuste.”
Os aposentados devem ficar atentos. “O importante, antes de pedir qualquer revisão de benefício, é que o aposentado estude, faça as contas e contate um contador ou advogado para saber se vale a pena, para que não se aventure no Judiciário.”
-por Yara Ferraz

A IMPENHORABILIDADE     DOS BENS DE FAMÍLIA

Encontra-se na Lei n. 8.009/90 a proibição de penhora dos bens de família. Tal lei alcança o imóvel destinado à moradia da entidade familiar, e os móveis que o guarnecem, desde que quitados. Vejamos o que diz o artigo da mencionada lei:
Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.
Exclui-se do rol de bens impenhoráveis, os veículos, as obras de arte e os adornos suntuosos, vejamos:.
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.
No entanto, a impenhorabilidade do bem de família é afastada nas hipóteses do art. 3º do mesmo diploma legal. Vejamos:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.(Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
Agiu corretamente o legislador ao editar tal Lei, tendo em vista a preocupação do Estado em proteger o instituto da Família, não permitindo recair a penhora sobre bens que sejam considerados como tais.
No mesmo sentido, a própria Constituição Federal de 1988 versa sobre a família como base para a sociedade, devendo o Estado prezar pela sua proteção e garantir seus direitos, comungando com a mens legislatoris referente à lei 8.009.
A referida lei também impõe limites a impenhorabilidade dos Bens de Família, conforme preceitua o art. 4º, caput, pelo qual “não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga”.
Abaixo integra do artigo:
Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§ 1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.
§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. , inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.
Acerca dos bens de família, Alexandre Freitas Câmara traz a seguinte lição:
“A impenhorabilidade a que se refere a lei 8.009/90, ou seja, a impenhorabilidade do bem de residência, inclui não apenas o imóvel utilizado para moradia, mas também os móveis que o guarnecem, excluindo-se apenas os veículos, obras de arte e os adornos suntuosos (art. parágrafo único, c/c art.  da Lei 8.009/90). Não se pode, porém, pensar que este dispositivo é capaz de excluir da responsabilidade patrimonial todos os bens móveis que se encontrarem na residência do devedor. Isto porque, como se sabe, a regra é a penhorabilidade dos bens, e a impenhorabilidade exceção. Desta forma, deve-se interpretar restritivamente as normas que estabelecem a penhorabilidade de bens. Assim é que, a nosso sentir, deve-se considerar como adorno suntuoso todo e qualquer bem que não possa ser considerado indispensável à sobrevivência digna do devedor e de sua família. É preciso que este dispositivo seja à luz do que dispõe o art. 649II do CPC, que afirma a absoluta impenhorabilidade dos móveis que integrarem o padrão médio de vida da população (como televisão, geladeira ou fogão), mas não os aparelhos que ultrapassem essa média (como é o caso de equipamentos eletrônicos de última geração). A ideia fundamental por trás dessa regra é a de que apenas o essencial à sobrevivência deve ser considerado impenhorável”. (CÂMARA, 2008, p. 280)
Portanto, devemos raciocinar no sentido de que a impenhorabilidade dos bens de família deve se restringir ao que seja indispensável à subsistência digna da família.
-por Giovana Corrêa Novello -

Direito Penal e Direitos Humanos: a lucidez do papa Francisco

O papa Francisco, no dia 02 de Junho, enviou uma carta para um dos maiores criminalistas da atualidade, o argentino Eugenio Raúl Zaffaroni. A carta foi enviada para a Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia e tem um claro conteúdo contra o aumento dos castigos.
O papa envia esta carta em um momento importante na Argentina onde se discute o Novo Código Penal e as diversas propostas para vencer a criminalidade. Lá, como aqui, há esta falsa sensação de que quanto mais dura a pena, menos crime. O papa Francisco caminha por outra via.
Na mensagem ele se apresenta contra o endurecimento das penas, critica a cobertura que muitas vezes os meios de comunicações dão aos casos policiais, apelando para o sensacionalismo, e pede para que o Estado trabalhe pela inclusão social dos delinquentes. Nas palavras do Papa,
"Em nossa sociedade tendemos a pensar que os delitos se resolvem quando se pega e condena o delinquente, não levando em consideração o antes dos danos cometidos e sem prestar suficiente atenção à situação em que as vítimas estão. Portanto seria um erro identificar a reparação somente o castigo, confundir justiça com vingança, o que só contribui para incrementar a violência, que está institucionalizada. A experiência nos diz que o aumento e o endurecimento das penas com frequência não resolvem os problemas sociais e nem consegue diminuir os índices de delinquência."
O Papa Francisco argumenta também que:
"A delinquência tem as suas raízes nas desigualdades econômicas e sociais, nas redes de corrupção e do crime organizado. E não basta termos leis justas, mas também é necessário construir pessoas responsáveis e capazes de as pôr em prática. Devemos querer uma justiça que seja humanizadora, genuinamente reconciliadora, que leve o delinquente para um caminho de reabilitação social e total reinserção da comunidade."
Estas palavras do Papa Francisco estão de acordo com os argumentos do jurista alemão Louk Hulsman. Este escreveu um livro chamado “Penas perdidas: o sistema penal em questão”, onde traz o seguinte pensamento:
"Gostaríamos que quem causou um dano ou um prejuízo sentisse remorsos, pesar, compaixão por aquele a quem fez mal. Mas como esperar que tais sentimentos possam nascer no coração de um homem esmagado por um castigo desmedido, que não compreende, que não aceita e não pode assimilar? Como este homem incompreendido, desprezado, massacrado, poderá refletir sobre as consequências de seu ato na vida da pessoa que atingiu? (...) Para o encarcerado, o sofrimento da prisão é o preço a ser pago por um ato que uma justiça fria colocou numa balança desumana. E, quando sair da prisão, terá pago um preço tão alto que, mais do que se sentir quites, muitas vezes acabará por abrigar novos sentimentos de ódio e agressividade. (...) O sistema penal endurece o condenado, jogando-o contra a ‘ordem social’ na qual pretende reintroduzi-lo, fazendo dele uma outra vítima."
Pois bem, diante da moda do discurso de aprovar a pena de morte no Brasil, de incentivar linchamentos, de aplaudir torturas e coisas do gênero, convêm que façamos uma auto análise e perguntemos a nós próprios: o que queremos é justiça ou vingança? Como diz o teólogo Paul Tillich no livro “Amor, poder e Justiça”:
"O conteúdo do princípio da justiça é a exigência de tratar cada pessoa como pessoa. A justiça é sempre violada se os seres humanos são tratados como se fossem coisas."
É preciso mudar o discurso e a prática, senão continuará sendo usadas práticas criminosas dizendo que vai resolver a criminalidade.
Por Wagner Francesco

Afinal, o que é esse tal Decreto 8.243?

(Chamado por um editorial do Estadão de “um conjunto de barbaridades jurídicas” e por Reinaldo Azevedo de “a instalação da ditadura petista por decreto”, o Decreto8.243/2014 foi editado pela Presidência da república em 23/05/14, tendo sido publicado no Diário Oficial no dia 26 e entrado em vigor na mesma data)
Entender qual o real significado do Decreto exige ler pacientemente todo o seu texto, tarefa relativamente ingrata. Como todo bom decreto governamental, trata-se de um emaranhado de regras cuja formulação chega a ser medonha de tão vaga, sendo complicado interpretá-lo sistematicamente e de uma forma coerente. Tentarei, aqui, fazê-lo da forma mais didática possível, sempre considerando que grande parte do público leitor dessa página não é especialista na área jurídica.
Como o nome diz, trata-se de um “decreto”. “Decreto”, no mundo jurídico, é o nome que se dá a uma ordem emanada de uma autoridade – geralmente do Poder Executivo – que tem por objetivo dar detalhes a respeito do cumprimento de uma lei. Um decreto se limita a isso – detalhar uma lei já existente, ou, em latinório jurídico, ser “secundum legem”. Ao elaborá-lo, a autoridade não pode ir contra uma lei (“contra legem”) ou criar uma lei nova (“præter legem”). Se isso ocorrer, o Poder Executivo estará legislando por conta própria, o que é o exato conceito de “ditadura”. Ou seja: um decreto emitido em contrariedade a uma lei já existente deve ser considerado um ato ditatorial.
É exatamente esse o caso do Decreto 8.243/2014. Logo no início, vemos que ele teria sido emitido com base no "art. 84incisos IV e VI, alínea a, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. inciso I, e no art. 17 da Lei nº 10.683”. Traduzindo : tratam-se de alguns artigos relacionados à organização da administração pública, dentre os quais o mais importante é o art. 84VI da Constituição – o qual estabelece que o Presidente pode emitir decretos sobre a “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Guarde essa última frase. Como veremos adiante, o que o Decreto 8.243 faz, na prática, é integrar à Administração Pública vários órgãos novos – às vezes implícita, às vezes explicitamente –, algo que é constitucionalmente vedado ao Presidente da República. Portanto, logo de cara percebe-se que se trata de algo inconstitucional – o Executivo está criando órgãos públicos mesmo sendo proibido a fazer tal coisa.
Os absurdos jurídicos, contudo, não param por aí.

A “sociedade civil”

Analisemos o texto do Decreto, para entender quais exatamente as modificações que ele introduz no sistema governamental brasileiro.
Em princípio, e para quem não está acostumado com a linguagem de textos legais, tudo parece de uma inocência singular. Seu art. 1º esclarece tratar-se de uma nova política pública, “a Política Nacional de Participação Social”, que possui “o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Ou seja: tratar-se-ia apenas de uma singela tentativa de aproximar a “administração pública federal” – leia-se, o estado – da “sociedade civil”.
O problema começa exatamente nesse ponto, ou seja, na expressão “sociedade civil”. Quando usado em linguagem corrente, não se trata de um termo de definição unívoca: prova disso é que sobre ele já se debruçaram inúmeros pensadores desde o século XVIII. Tais variações não são o tema deste artigo, mas, para quem se interessar, sugiro sobre o assunto a leitura deste texto de Roberto Campos, ainda atualíssimo.
Para o Decreto, contudo, “sociedade civil” tem um sentido bem determinado, exposto em seu art. 2º, I: dá-se esse nome aos “cidadãos, coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”.
Muita atenção a esse ponto, que é de extrema importância. O Decreto tem um conceito preciso daquilo que é considerado como “sociedade civil”. Dela fazem parte não só o “cidadão” – eu e você, como pessoas físicas – mas também “coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Ou seja: todos aqueles que promovem manifestações, quebra-quebras, passeatas, protestos, e saem por aí reivindicando terra, “direitos” trabalhistas, passe livre, saúde e educação – MST, MTST, MPL, CUT, UNE, sindicatos… Pior: há uma brecha que permite a participação de movimentos “não institucionalizados” – conceito que, na prática, pode abranger absolutamente qualquer coisa.
Em resumo: “sociedade civil”, para o Decreto, significa “movimentos sociais”. Aqueles mesmos que, como todos sabemos, são controlados pelos partidos de esquerda – em especial, pelo próprio PT. Não se enganem: a intenção do Decreto 8.243 é justamente abrir espaço para a participação política de tais movimentos e “coletivos”. O “cidadão” em nada é beneficiado – em primeiro lugar, porque já tem e sempre teve direito de petição aos órgãos públicos - art. XXXIV, “a” da Constituição -; em segundo lugar, porque o Decreto não traz nenhuma disposição a respeito da sua “participação popular” – aliás, a palavra “cidadão” nem é citada no restante do texto, excetuando-se um princípio extremamente genérico no art. 3º.
Podemos, então, reescrever o texto do art. 1º usando a própria definição legal: o Decreto, na verdade, tem “o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e os movimentos sociais”.
Compreender o significado de “sociedade civil” no contexto do Decreto é essencial para se interpretar o resto do seu texto. Basta notar que a expressão é repetida 24 (vinte e quatro!) vezes ao longo do restante do texto, que se destina a detalhar os instrumentos a serem utilizados na tal “Política Nacional de Participação Social”.

“Mecanismos de participação social”

Se há uma política que visa a aproximar estado e “movimentos sociais”. Mas no que exatamente ela consiste? Para responder a essa questão, comecemos pelo art. 5º, segundo o qual “os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas”.
Isso significa que: a partir de agora, todos os “os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta” (ou seja, tudo o que se relaciona com o governo federal: gabinete da Presidência, ministérios, universidades públicas…) deverão formular seus programas em atenção ao que os tais “mecanismos de participação social” demandarem. Na prática, o Decreto obriga órgãos da administração direta e indireta a ter a participação desses “mecanismos”. Uma decisão de qualquer um deles só se torna legítima quando houver essa consulta – do contrário, será juridicamente inválida. E, como informam os parágrafos do art. 5º, essa participação deverá ser constantemente controlada, a partir de “relatórios” e “avaliações”.
Os “mecanismos de participação social” são apresentados no art. 2º e no art. 6º, que fornecem uma lista com nove exemplos: conselhos e comissões de políticas públicas, conferências nacionais, ouvidorias federais, mesas de diálogo, fóruns interconselhos, audiências e consultas públicas e “ambientes virtuais de participação social” (pelo visto, nossos amigos da MAV-PT acabam de ganhar mais uma função…).
A rigor, todas essas figuras não representam nada de novo, pois já existem no direito brasileiro. Para ficar em alguns exemplos: “audiências públicas” são realizadas a todo momento, a expressão “conferência nacional” retorna 2.500.000 hits no Google e há vários exemplos já operantes de “conselhos de políticas públicas”, como informa este breve relatório da Câmara dos Deputados sobre o tema. Qual seria o problema, então?
A questão está, novamente, nos detalhes. Grande parte do restante do Decreto – mais especificamente, os arts. 10 a 18 – destinam-se a dar diretrizes, até hoje inexistentes (ao menos de uma forma sistemática), a respeito do funcionamento desses órgãos de participação. E nessas diretrizes mora o grande problema. Uma rápida leitura dos artigos que acabei de mencionar revela que várias delas estão impregnadas de mecanismos que, na prática, têm o objetivo de inserir os “movimentos sociais” a que me referi acima na máquina administrativa brasileira.
Vamos dar um exemplo, revendo o art. 10, que disciplina os “conselhos de políticas públicas”. Em seus incisos, estão presentes várias disposições que condicionam sua atividade à da “sociedade civil” – leia-se, aos “movimentos sociais”, como demonstrado acima. Por exemplo: o inciso I determina que os representantes de tais conselhos devem ser “eleitos ou indicados pela sociedade civil”, o inciso II, que suas atribuições serão definidas “com consulta prévia à sociedade civil”. E assim por diante. Essas brechas estão espalhadas ao longo do texto do Decreto, e, na prática, permitem que “coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações” imiscuam-se na própria Administração Pública.
O art. 19, por sua vez, cria um órgão administrativo novo (lembram do que falei sobre a inconstitucionalidade, lá em cima?): “a Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais, instância colegiada interministerial responsável pela coordenação eencaminhamento de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas”. Ou seja: uma bancada pública feita sob medida para atender “pautas dos movimentos sociais”, feito balcão de padaria. Para quem duvidava das reais intenções do Decreto, está aí uma prova: esse artigo sequer tem o pudor de mencionar a “sociedade civil”. Aqui já é MST, MPL e similares mesmo, sem intermediários.
Enfim, para resumir tudo o que foi dito até aqui: com o Decreto 8.243/2014, (i) os “movimentos sociais” passam a controlar determinados “mecanismos de participação social”(ii) toda a Administração Pública passa a ser obrigada a considerar tais “mecanismos” na formulação de suas políticas. Isto é: o MST passa a dever ser ouvido na formulação de políticas agrárias; o MPL, na de transporte; aquele sindicato que tinge a cidade de vermelho de quando em quando passa a opinar sobre leis trabalhistas. “Coletivos, movimentos sociais, suas redes e suas organizações” se inserem no sistema político, tornando-se órgãos de consulta: na prática, uma extensão do Legislativo.

“Back in the U. S. S. R.”!

Esse sistema de “poder paralelo” não é inédito na História – e entender as experiências pretéritas é uma excelente maneira de se compreender o que significam as atuais. É isso que, como antecipei no início do texto, nos leva de volta a 1917 e aos “sovietes” da Revolução Russa, possivelmente o exemplo mais conhecido e óbvio desse tipo de organização. Se é verdade que “aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”, como diz o clássico aforismo de George Santayana, é essencial voltar os olhos para o passado e entender o que de fato se passou quando um modelo de organização social idêntico ao instituído pelo Decreto8.243/2014 foi adotado.
Essa análise nos leva ao momento imediatamente posterior à Revolução de Fevereiro, que derrubou Nicolau II. O clima de anarquia gerado após a abdicação do czar levou à formação de um Governo Provisório inicialmente desorganizado e pouco coeso, incapaz de governar qualquer coisa que fosse.
Paralelamente, formou-se na capital russa (Petrogrado) um conselho de trabalhadores – na verdade, uma repetição de experiências históricas anteriores similares, que na Rússia remontavam já à Revolução de 1905. Tal conselho – o Soviete de Petrogrado – consistia de “deputados” escolhidos aleatoriamente nas fábricas e quarteis. Em 15 dias de existência, o soviete conseguiu reunir mais de três mil membros, cujas sessões eram realizadas de forma caótica – na realidade, as decisões eram tomadas pelo seu comitê executivo, conhecido como Ispolkom. Nada diferente de um MST, por exemplo.
A ampla influência que o Soviete possuía sobre os trabalhadores fez com que os representantes do Governo Provisório se reunissem com seus representantes (1º-2 de março de 1917) em busca de apoio à formação de um novo gabinete. Isto é: o Governo Provisório foi buscar sua legitimação junto aos sovietes, ciente de que, sem esse apoio, jamais conseguiria firmar qualquer autoridade que fosse junto aos trabalhadores industriais e soldados. O resultado dessas negociações foi o surgimento de um regime de “poder dual” (dvoevlastie), que imperaria na Rússia de março/1917 até a Revolução de Outubro: nesse sistema, embora o Governo Provisório ocupasse o poder nominal, este na prática não passava de uma permissão dos sovietes, que detinham a influência majoritária sobre setores fundamentais da população russa. A Revolução de Outubro, que consolidou o socialismo no país, foi simplesmente a passagem de “todo o poder aos sovietes!” (“vsia vlast’ sovetam!”) – um poder que, na prática, eles já detinham.
Antes mesmo do Decreto 8.243, o modelo soviético já antecipava de forma clara o fenômeno dos “movimentos sociais” que ocorre no Brasil atualmente. Com o Decreto, a similaridade entre os modelos apenas se intensificou.
Em primeiro lugar, e embora tais movimentos clamem ser a representação do “povo”, dos “trabalhadores”, do “proletariado” ou de qualquer outra expressão genérica, suas decisões são tomadas, na realidade, por poucos membros – exatamente como noIspolkom soviético, a deliberação parte de um corpo diretor organizado e a aclamação é buscada em um segundo momento, como forma de legitimação. Qualquer assembleia de movimentos de esquerda em universidades é capaz de comprovar isso.
Além disso, a institucionalização de conselhos pelo Decreto 8.243/2014 leva à ascensão política instantânea de “revolucionários profissionais” – pessoas que dedicam suas vidas inteiras à atividade partidária, em uma tática já antecipada por Lênin em seu panfleto “Que Fazer?”, de 1902 (capítulo 4c). Explico melhor. Vamos supor por um momento que o Decreto seja um texto bem intencionado, que de fato pretenda “inserir a sociedade civil” dentro de decisões políticas (como, aliás, afirma o diretor de Participação Social da Presidência da República neste artigo d’O Globo). Ora, quem exatamente teria tempo para participar de “conselhos”, “comissões”, “conferências” e “audiências”? Obviamente, não o cidadão comum, que gasta seu dia trabalhando, levando seus filhos para a escola e saindo com os amigos. Tempo é um fator escasso, e a maioria das pessoas simplesmente não possui horas de sobra para participar ativamente de decisões políticas – é exatamente por isso que representantes são eleitos para essas situações. Quem são as exceções? Não é difícil saber. Basta passar em qualquer sindicato ou diretório acadêmico: ele estará cheio de “revolucionários profissionais”, cuja atividade política extraoficial acabou de ser legitimada por decreto presidencial.
A questão foi bem resumida por Reinaldo Azevedo, no texto que citei no início deste artigo. Diz o articulista: “isso que a presidente está chamando de ‘sistema de participação’ é, na verdade, um sistema de tutela. Parte do princípio antidemocrático de que aqueles que participam dos ditos movimentos sociais são mais cidadãos do que os que não participam. Criam-se, com esse texto, duas categorias de brasileiros: os que têm direito de participar da vida púbica [sic] e os que não têm. Alguém dirá: ‘Ora, basta integrar um movimento social’. Mas isso implicará, necessariamente, ter de se vincular a um partido político”.
Exatamente por esses motivos, tal forma de organização confere a extremistas de esquerda possibilidades de participação política muito mais amplas do que eles teriam em uma lógica democrática “verdadeira” – na qual ela seria reduzida a praticamente zero. Basta ver que o Partido Bolchevique, que viria a ocupar o poder na Rússia em outubro de 1917, era uma força política praticamente irrelevante dentro do país: sua subida ao poder se deve, em grande parte, à influência que exercia sobre os demais partidos socialistas (mencheviques e socialistas-revolucionários) dentro do sistema dos sovietes. Algo análogo ocorre no Brasil atual: salvo exceções pontuais, PSOL, PSTU et caterva apresentam resultados pífios nas eleições, mas por meio da ação de “movimentos sociais” conseguem inserir as suas pautas na discussão política. As manifestações pelo “passe livre” – uma reivindicação extremamente minoritária, mas que após um quebra-quebra nacional ocupou grande parte da discussão política em junho/julho de 2013 – são um exemplo evidente disso.
O sistema introduzido pelo Decreto 8243/2014 apenas incentiva esse tipo de ação. O Legislativo “oficial” – aquele que contém representantes da sociedade eleitos voto a voto, representando proporcionalmente diversos setores – perde, de uma hora para outra, grande parte de seu poder. Decisões estatais só passam a valer quando legitimadas por órgãos paralelos, para os quais ninguém votou ou deu sua palavra de aprovação – e cujo único “mérito” é o fato de estarem alinhados com a ideologia do partido que ocupa o Executivo.
Pior: a administração pública é engessada, estagnada. Não no sentido definido no artigo d’O Globo que linkei acima (demora na tomada de decisões), mas em outro: os cargos decisórios desse “poder Legislativo paralelo” passam a ser ocupados sempre pelas mesmas pessoas. Suponhamos, em um esforço muito grande de imaginação, que o PT perca as eleições presidenciais de 2018 e seja substituído por, digamos, Levy Fidelix e sua turma. Com a reforma promovida pelo Decreto 8.243/2014 e a ocupação de espaços de deliberação por órgãos não eletivos, seria impossível ao novo presidente implantar suas políticas aerotrênicas: toda decisão administrativa que ele viesse a tomar teria que, obrigatoriamente, passar pelo crivo de conselhos, comissões e conferências que não são eleitos por ninguém, não renovam seus quadros periodicamente e não têm transparência alguma. Ou seja: ainda que o titular do governo venha a mudar, esses órgãos (e, mais importante, os indivíduos a eles relacionados) permanecem dentro da máquina administrativa ad eternum, consolidando cada vez mais seu poder.

Conclusão

O Decreto 8.243/2014 é, possivelmente, o passo mais ousado já tomado pelo PT na consecução do “socialismo democrático” – aquele sistema no qual você está autorizado a expressar a opinião que quiser, desde que alinhada com o marxismo. Sua real intenção é criar um “lado B” do Legislativo, não só deslegitimando as instituições já existentes como também criando um meio de “acesso facilitado” de movimentos sociais à política.
Perguntamos: “e daí?”. Afinal, sabemos que a democracia representativa é um sistema imperfeito: suas falhas já foram expostas por um número enorme de autores, de Tocqueville a Hans-Hermann Hoppe. É verdade.
No entanto, a democracia representativa ainda é “menos pior” do que a alternativa que se propõe. Um sistema onde setores opostos da sociedade se digladiam em uma arena política, embora tenda necessariamente a favorecimentos, corrupção e má aplicação de recursos, ainda possui certo “controle” interno: leis e decisões administrativas que favoreçam demais a determinados grupos ou restrinjam demasiadamente os direitos de outros em geral tendem a ser rechaçadas. Isso de forma alguma ocorre em um sistema onde decisões oficiais são tomadas e “supervisionadas” por órgãos cujo único compromisso é o ideológico, como o que o Decreto 8.243/2014 tenta implementar.
Esse segundo caso, na verdade, nada mais é do que acelerar na autoestrada para a servidão.
Autor: Erick Vizolli